FIDES ANGÉLICA de Castro Veloso Mendes Ommati

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Fides Angélica

(1945). Terceira e Atual Ocupante da Cadeira nº 40 da APL.

Professora, advogada, jurista, conferencista e escritora. Nasceu em Floriano, Estado do Piauí (1945). Formada em Direito pela Universidade Federal do Piauí (1969). Licenciatura em Letras (1963). Curso de Especialização e Metodologia do Ensino Superior (1975). Mestrado em Direito Público pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1978). Procuradora do Estado do Piauí. Conselheira e Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Piauí. Professora Catedrática da Fundação Universidade Federal do Piauí. Pertence à Academia Piauiense de Letras e à Academia Piauiense de Letras Jurídicas. Bibliografia. A professora Fides Angélica publicou um precioso acervo de obras, entre as quais destacamos: Manual Elementar de Direito Judiciário; Estudos de Direito Público Comparado, 1977; Estudos Sobre a Constituição Brasileira de 1924, À Luz das Ideias Políticas, 1969; Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado, 1977, e As Constituições Piauienses, 1988, em co-autoria com José Eduardo Pereira. Honrarias. Medalha do Mérito Conselheiro José Antônio Saraiva (1988); Medalha Sobral Pinto, concedida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (1992), e Medalha do Mérito Timbira do Trabalho, grau de Oficial, concedida pelo Tribunal Regional do Trabalho.

Fragmentos do seu discurso de posse na Academia Piauiense de Letras:

“Confunde-me o exame da grandiosa obra do patrono da cadeira que hoje passo a ocupar, o poeta MÁRIO FAUSTINO DOS SANTOS E SILVA.

Esse piauiense de Teresina, que aqui iniciou seus estudos dando-lhes continuidade em Belém e no Rio de Janeiro, foi um irrequieto na sua formação contínua, seu espírito criativo e a sua angústia interior.

A vida curta não o impediu, entretanto, de construir uma obra poética de valor incontestável e de firmar-se como um renovador e um movimentador do ambiente da poesia nacional.

É despiciendo indagar se foi ele maior como poeta ou como crítico literário, em sua experiência no Suplemento Literário do Jornal do Brasil, por quase três anos. Certo é que ambas as atividades se confundiram, na aplicação de método crítico, de investigação e de criação simultâneas.

Mário Faustino foi fiel ao seu projeto de docência, que se constituiu profissão de fé na vocação do poeta e da poesia para criar mitos e, através destes, influir no meio social.

Aliás, para ele, a poesia encena múltiplas valências: ensinar, comover e deleitar, tendo alcance ético para o poeta e para o leitor. Para o poeta, é a poesia fator de ordenação pessoal, ao conferir unidade à existência dividida por antagonismos. Para o leitor, é fonte de conhecimento e interage com ele.

De outra parte, a poesia tem função ativa e passiva, na sociedade em que se insere o poeta. Age sobre o povo e a língua. Sobre o povo, dando-lhe consciência de sua história e propiciando-lhe conteúdo ideológico e utópico. Sobre a língua, assegurando-lhe vitalidade e capacidade de renovação. O papel social ativo da poesia depende da abertura do poeta para o mundo. Mais, depende de sua capacidade de, amealhando conhecimentos de filosofia e ciência, ter uma consciência crítica de seu ofício.

Na sua concepção poética do mundo, Mário Faustino elegeu como pressuposto a divinização da palavra. O verbo não apenas é forma de expressão de pensamento e sentimento, senão a substância mesma que se confunde com a realidade e age sobre esta, transformando-a.

O mundo incorpora-se às palavras, e tudo que é pensado e visto é dito, de modo que o mundo é dado através da linguagem.

Assim, o poeta, que deve dizer as coisas, dá a significação destas, que muitas vezes não a possuem, mas passam a ser realidade na expressão da poesia.

Essa concepção é resumida em uma de suas mais conhecidas e expressivas poesias: Vida Toda Linguagem.

VIDA TODA LINGUAGEM

Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso, geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida. Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso, talvez interjetivo, verso, verso. Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará – oh metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente, sêmen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem, contra negras janelas, cintilantes imagens que lhes estrelam turvas trajetórias.
Vida toda linguagem – como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear esses nomes:
amar, fazer, destruir
homem, mulher e besta, diabo e anjo e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem, vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra a chuva, tenta fazê-la eterna – como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe à vida que é perfeita língua
eterna.

O poema de Mário Faustino é vivo, porque existe unidade entre a palavra e
Mais que seu poema-vida, Mário Faustino conseguiu deixar viva a sua arte
e seu esforço pela renovação da arte poética, em nosso país.
Ao concluir interessante e profunda análise da obra do notável crítico e poeta, dele afirmou Benedito Nunes:

Mestre, no sentido poundiano da palavra, que cultivou e aperfeiçoou formas herdadas de tradição, inventor de formas novas e flexíveis, dentro das quais pôde preservar e desenvolver as antigas, Mário Faustino não só ajudou a renovar a poesia brasileira, como também procurou fazer com que outros, tão jovens como ele, participassem dessa renovação. (A poesia de Mário Faustino, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 34)

Sua vida, arrebatada violentamente, no auge de sua produção intelectual, aos 32 anos, foi muito curta, mas sua arte se prolonga, marcando seu lugar de destaque no Piauí e no Brasil.”

Fonte: Revista da Academia Piauiense de Letras – 52 – ANO LXXVII, 1994.
OMMATI, Fides Angélica da Costa Veloso Mendes. Presença do Tempo. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2018, Coleção Centenário nº 108.