José ELMAR de Melo CARVALHO

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(1956). Quarto e Atual Ocupante da Cadeira nº 10 da APL. 

Nasceu em Campo Maior – PI a 09-04-1956. Juiz de Direito aposentado. Formado em Direito e em Administração de Empresas, ambos pela UFPI. Foi fiscal da extinta SUNAB. Filho de Miguel Arcângelo de Deus Carvalho e Rosália Maria de Mélo Carvalho. Casado com Fátima, com quem tem dois filhos: João Miguel e Elmara Cristina. Presidiu o Diretório Acadêmico 3 de Março, a União Brasileira de Escritores do Piauí (UBE/PI) e o Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Foi membro do Conselho Editorial da UFPI. Poeta, contista, cronista, romancista e ensaísta. Autor, entre outros, dos livros Cromos de Campo Maior (1990 e 1995), Noturno de Oeiras (1994), Rosa dos Ventos Gerais (3ª edição, 2016), Sete Cidades – roteiro de um passeio poético e sentimental (2000), Parnaíba no Coração (2006), Lira dos Cinquentanos (2006), Noturno de Oeiras e outras evocações (2009), Bernardo de Carvalho – o Fundador de Bitorocara (2ª edição, 2016), Amar Amarante (2013), Retrato de minha mãe (2013), Confissões de um juiz (2014), Retrato de meu pai (2016) e Histórias de Évora (2017). Colaborador de vários jornais, revistas e sítios internéticos. Citado em vários livros e dicionários biográficos. Recebeu diversas honrarias, entre as quais a Comenda do Mérito Renascença do Piauí. Cidadão honorário de vários municípios. Membro de várias Academias de Letras, entre as quais a Piauiense, a Parnaibana, a do Vale do Longá, a Campomaiorense e a do Médio Parnaíba.

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Capítulo I

O TRIÂNGULO ENCANTADO

Eram duas horas da madrugada quando Marcos Mendes Azevedo acordou, com sede. Dirigiu-se à cozinha, onde ficava a geladeira. No percurso, notou que o quarto das irmãs estava com a porta entreaberta e com a lâmpada elétrica ligada.

Retrocedeu um pouco, para melhor olhar. Viu, então, expostas na rede, as roliças e rijas coxas de Neuza, a empregada, entreabertas. Eram brancas, grossas, firmes, e deviam ser macias. Uma tenra, quase transparente e dourada penugem as recobria.

Imaginou que deveriam ser suaves e agradáveis ao tato, principalmente se tocadas com as pontas dos dedos. Desceu o olhar em direção aos pés, em que não viu nada de especial. As panturrilhas, contudo, eram proporcionais às coxas, roliças, rijas e torneadas com esmero.

Em seguida, com o coração em disparada, com medo de que Neuza ou alguma das irmãs acordasse, abriu a porta um pouco mais, para olhar o que estava acima das coxas; ou o encaixe destas, como gostava de dizer um seu amigo. E viu o que procurava, com tanta ansiedade e medo.

A calcinha branca e simples mal cobria o grande, altaneiro e vertiginoso vértice. O púbis castanho, sem dúvida bem rebaixado, ornava a borda da sumária peça íntima. Entreviu o sopé e parte da encosta dos carnudos e protuberantes grandes lábios. Marcos sentiu uma tontura, quase como se fosse desmaiar. Mesmo assim viu a depressão em que se fendia a genitália, como um pequenino regato, que parecia morder o vinco central da calcinha. Era um bem esculpido delta, desde o monte de Vênus até a curvatura em direção ao períneo.

Sua vontade de tocá-lo era enorme. Espalmar-lhe a mão, e tê-lo em sua concavidade. Parecia um animal, que tivesse vida própria e palpitasse. Fez um esforço muito grande para se conter. Sua timidez e natural retraimento tentavam conter o ímpeto de sua mal desabrochada adolescência. Foi então que a moça abriu os olhos. Marcos temeu gritos escandalosos, estridentes, e saiu em passos de felino para a cozinha. Ficou aliviado com o silêncio. Teve medo de que ela lhe viesse ao encontro, para exigir explicações. Mas isso também não aconteceu. Tampouco no dia seguinte ela denunciou o fato aos seus pais.

Sentiu que ela tivera a exata compreensão do que acontecera, e lhe perdoara, ou mesmo se sentira envaidecida daquela silenciosa, inerte e contida contemplação fortuita. Foi a primeira vez que vira uma mulher (quase) desnuda. Pela primeira vez enxergara de tão perto e com tanta nitidez uma cona aureolada gloriosamente pelos esquálidos e pálidos pelos pubianos. Foi o marco inicial e inesquecível de seu adolescer.

Como um símbolo incandescente ficou em sua memória para sempre aquele triângulo encantado, que jamais veria novamente. Como no poema de Manuel Bandeira, foi o seu alumbramento, a sua visão do paraíso na terra e da terra.

Comentários 

Mais conhecido como um respeitado poeta no seu Estado, o piauiense Elmar Carvalho não poderia ser considerado um estreante no gênero da prosa de ficção.

Há tempos tem escrito pequenos textos que se poderiam chamar de contos, narrativas regionais que misturam “realidade’ ficcional e imaginário popular e folclórico, adentrando-se até, em grau menor, em textos de cunho fantástico ou mágico que contribuem para um pitoresco painel dos costumes, hábitos da paisagem interiorana piauiense, de cidades do interior de seu estado natal. Lendo muitas deles, não me furto a fazer uma analogia com alguns textos narrativos de viés sobrenatural com algumas narrativas do escritor Bernardo Guimarães (1825-1884). Penso aqui no seu conto modelar que é “A dança dos ossos.” Extraído do livro Lendas e romances (1871).

Elmar Carvalho é um autor que há muito tempo venho lendo não só analisando-lhe a poesia que, – ninguém pode negar – é de ótima qualidade, tendo mesmo sido agraciado, pelo seu livro Rosa dos ventos Gerais (poesia reunida, 20002) com o importante prêmio “Ribeiro Couto” da União Brasileira de Escritores (UBE). Ademais, Elmar incursionou elegantemente pelo memorialismo e por algumas pesquisas de natureza histórica, pelo ensaio da pesquisa histórica, pela crítica literária, pela crônica.

Diria, em síntese, que o conjunto de textos em prosa que, até hoje, produziu já lhe garante um lugar definitivo entre os escritores mais prestigiados da literatura  piauiense contemporânea.” (Cunha e Silva Filho)

Fonte: CARVALHO, Elmar. História de Évora. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2017, Coleção Século XXI nº 15.
CARVALHO, Elmar. Rosa dos Ventos Gerais. 3ª ed. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2017, Coleção Centenário nº 61.